sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Jeitos de Amar (Martha Medeiros)

No livro Prosa reunida, de Adélia Prado, encontrei uma frase singela e verdadeira ao extremo. Uma personagem põe-se a lembrar da mãe, que era danada de braba, porém esmerava-se na hora de fazer dois molhos de cachinhos no cabelo da filha para que ela fosse bonita para a escola.


“Meu Deus, quanto jeito que tem de ter amor.”



É comovente porque é algo que a gente esquece: milhões de pequenos gestos são maneiras de amar. Beijos e abraços às vezes são provas mais de desejo que de amor, exigem retribuição física, são facilidades do corpo.

Mas há diversos outros amores podendo ser demonstrados com toques mais sutis.



Mexer no cabelo, pentear os cabelos, tal como aquela mãe e aquela filha, tal como namorados fazem, tal como tanta gente faz: cafunés.

Uma amiga tingindo o cabelo da outra, cartando franjas, puxando rabos de cavalo, rindo soltas.

Quanto jeito que há de amar.



Flores colhidas na calçada, flores compradas, flores feitas de papel, desenhadas, entregues em datas nada especiais: “Lembrei de você”.

É esse o único e melhor motivo para crisântemos, margaridas, violetinhas.

Quanto jeito que há de amar.



Um telefonema para saber da saúde, uma oferta de carona, um elogio, um livro emprestado, uma carta respondida, repartir o que se tem, cuidados para não magoar, dizer a verdade quando ela é salutar, e mentir, sim, com carinho, se for para evitar feridas e dores desnecessárias.

Quanto jeito que há de amar.



Uma foto mantida ao alcance dos olhos, uma lembrança bem guardada, fazer o prato predileto de alguém e botar uma mesa bonita, levar o cachorro para passear, chamar para ver um crepúsculo, dar banho em quem não consegue fazê-lo sozinho, ouvir os velhos, ouvir as crianças, ouvir os amigos, ouvir os parentes, ouvir.

Quanto jeito que há de amar.



Rezar por alguém, vestir roupa nova pra homenagear, trocar curativos, tirar pra dançar, não espalhar segredos, puxar o cobertor caído, cobrir, visitar doentes, velar, sugerir cidades, discos, brinquedos, brincar:

quanto jeito que há.



(Martha Medeiros – Montanha Russa)

domingo, 25 de setembro de 2011

Sei que é preciso

Sei que é preciso, Senhor
Sei que é preciso mexer de novo
Sempre será esta mesma porta
A mesma fenda aberta em mim
A entrada da misericórdia
Adorável ferida de amor
Quero estar, então
De joelhos no chão e as mãos estendidas
Suplicando coragem e força
Suplicando tua graça, meu Deus
Escolho tudo, escolho tudo
Que tudo se faça em mim, segundo teu querer
Escolho passar pelas sendas da morte
Escolho passar pelo escuro de novo
Simplesmente, deixa-me estar em ti

domingo, 21 de agosto de 2011

A graça do simples que leva ao alto

O simples é Deus. O simples é puramente Deus. A simplicidade é uma porta do humano para o divino.
Quanto mais simples somos, mais livres nos tornamos. E quanto mais livres estamos, mais alto podemos ir. Deus é tão simples, tão simples... e, tão alto, tão alto... que temos temos que ser também simples, rendidos, pequenos, fracos, a fim de deixar que Ele nos alcance.

O simples não carrega muitas coisas, é leve para ir alto, tão alto onde permita que Deus o alcance.
O simples é capaz de observar, de se deleitar com os detalhes, de parar, de silenciar para perceber as pequenas coisas da vida. E nessa percepção vai tão alto, tão alto, que permite que Deus o alcance.
O simples não tem muitas vestes uma por cima da outra, casaco, sobretudo, não tem segunda pele. O simples é apenas o que é, não tenta ser diferente, ou dar a parecer que é diferente. Ele é a sua verdade e a mostra sem medo de retaliações. Ele ocupa-se simplesmente de ser aquilo que foi criado pra ser, nem mais, nem menos... se ocupa e não se preocupa. No ser apenas o que é, vai tão alto, que deixa Deus o alcançar.

É porque Deus é tudo, o tudo simples, o tudo amor. E o amor é simples. Deus gosta do que é pequeno. Ele se deleita com os detalhes. É eterno, não precisa se apressar, por isso ama observar nossos pequenos crescimentos e mexer com nossos pequenos detalhes. Deus é o que é e quer que nós sejamos, à semelhança Dele, aquilo que somos. Por isso espera que sejamos simples e que, assim, lhe demos alcance.


Coplas ao Divino

Atrás de amoroso lance,
Que não de esperança falto,
Voei tão alto, tão alto,
Que, à caça, lhe dei alcance.

Para que eu alcance desse
Àquele lance divino,
Voar tanto foi preciso
Que de vista me perdesse;
E, contudo, neste transe
A meio do voo quedei falto;
Mas o amor foi tão alto,
Que lhe dei, à caça, alcance.

Quando mais alto subia
Deslumbrou-se-me a visão,
E a mais forte conquista
Se fazia em escuridão;
Mas por ser de amor o lance,
Dei um cego e escuro salto,
E fui tão alto, tão alto,
Que lhe dei, à caça, alcance.

Quanto mais alto chegava
Deste lance tão subido,
Tanto mais baixo e rendido
E abatido me encontrava;
Disse: Não haverá quem alcance;
E abati-me tanto, tanto,
Que fui tão alto, tão alto,
Que lhe dei, à caça, alcance.

Por uma estranha maneira
Mil voos passei de um só voo,
Porque a esperança do céu
Tanto alcança quanto espera;
Esperei só este lance
E em esperar não fui falto,
Pois fui tão alto, tão alto,
Que, à caça, lhe dei alcance.


(São João da Cruz)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Punhais de minha alma

Ó punhais,
Punhais de minha alma.
Sereis vós o espinho de minha carne?
Punhais que perfuram e não me deixam sarar.
Punhais que ferem e não me deixam esquecer.

Ó punhais,
Que preferíeis a ferida aberta,
a chaga jamais cicatrizada.
Eis o caminho mais fácil para cumprirdes
Vossa missão: conservar-me a abertura.

Ó punhais,
Como vai o tempo, mais profundo entrais.
Como o tempo, mais fortemente eternizais.
Punhais, instrumentos da graça,
Mas quanta dor causam a minha alma,
Quanta angústia e sofrimento.

Ó punhais,
Que aceleram a escuridão.
Não permitiríeis que minha alma se fechasse,
Que a ferida se curasse?
Não...
Pois é a ferida aberta o receptáculo da misericórdia.
É a chaga não cicatrizada que recebe a bondade.
É a perfuração da alma sua ligação com o amor.
Punhais...
Punhais que ferem e amam minha alma.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Tu és o tudo





És o calor do meu frio
o impulso em minha lentidão
riqueza em minha pobreza
grandeza em minha pequinez
Tu és água em minha sede
luz em minha escuridão (2X)
Jesus, Tu és o meu tudo em meu nada, Tu és (2X)
razão do meu viver.
Tu és o sentido em meu caminho
força em minha fraqueza
Tu és a sabedoria em minha insensatez
consolo em minha aflição
Tu és água em minha sede
luz em minha escuridão (2X)
Jesus, Tu és o meu tudo em meu nada, Tu és (2X)
razão do meu viver
tudo em meu nada...
tudo és o tudo em meu nada
tudo em meu nada.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Tratado da Esperança

Período das esperas.
Espera de um bem que se deseja.
É confiança, é demora.
Demora que permite-nos saborear.
Saborear o desenrolar das coisas.
Sentir o prazer e a dor dos acontecimentos.
Perceber os detalhes de cada dia.
Construir cada dia por vez,
cada dia por vez.

Período das esperas.
É deleitar a alma.
Assistindo, sorvendo experiências.
Demora que vai talhando a alma.
Vai degustando, por partes, o todo que é a vida.
Vai gastando o tempo tateando os detalhes de tudo.
Cada dia, cada detalhe, cada parte.

O todo é constituído por partes que nos habilitam a saborear o período das esperas