domingo, 21 de agosto de 2011

A graça do simples que leva ao alto

O simples é Deus. O simples é puramente Deus. A simplicidade é uma porta do humano para o divino.
Quanto mais simples somos, mais livres nos tornamos. E quanto mais livres estamos, mais alto podemos ir. Deus é tão simples, tão simples... e, tão alto, tão alto... que temos temos que ser também simples, rendidos, pequenos, fracos, a fim de deixar que Ele nos alcance.

O simples não carrega muitas coisas, é leve para ir alto, tão alto onde permita que Deus o alcance.
O simples é capaz de observar, de se deleitar com os detalhes, de parar, de silenciar para perceber as pequenas coisas da vida. E nessa percepção vai tão alto, tão alto, que permite que Deus o alcance.
O simples não tem muitas vestes uma por cima da outra, casaco, sobretudo, não tem segunda pele. O simples é apenas o que é, não tenta ser diferente, ou dar a parecer que é diferente. Ele é a sua verdade e a mostra sem medo de retaliações. Ele ocupa-se simplesmente de ser aquilo que foi criado pra ser, nem mais, nem menos... se ocupa e não se preocupa. No ser apenas o que é, vai tão alto, que deixa Deus o alcançar.

É porque Deus é tudo, o tudo simples, o tudo amor. E o amor é simples. Deus gosta do que é pequeno. Ele se deleita com os detalhes. É eterno, não precisa se apressar, por isso ama observar nossos pequenos crescimentos e mexer com nossos pequenos detalhes. Deus é o que é e quer que nós sejamos, à semelhança Dele, aquilo que somos. Por isso espera que sejamos simples e que, assim, lhe demos alcance.


Coplas ao Divino

Atrás de amoroso lance,
Que não de esperança falto,
Voei tão alto, tão alto,
Que, à caça, lhe dei alcance.

Para que eu alcance desse
Àquele lance divino,
Voar tanto foi preciso
Que de vista me perdesse;
E, contudo, neste transe
A meio do voo quedei falto;
Mas o amor foi tão alto,
Que lhe dei, à caça, alcance.

Quando mais alto subia
Deslumbrou-se-me a visão,
E a mais forte conquista
Se fazia em escuridão;
Mas por ser de amor o lance,
Dei um cego e escuro salto,
E fui tão alto, tão alto,
Que lhe dei, à caça, alcance.

Quanto mais alto chegava
Deste lance tão subido,
Tanto mais baixo e rendido
E abatido me encontrava;
Disse: Não haverá quem alcance;
E abati-me tanto, tanto,
Que fui tão alto, tão alto,
Que lhe dei, à caça, alcance.

Por uma estranha maneira
Mil voos passei de um só voo,
Porque a esperança do céu
Tanto alcança quanto espera;
Esperei só este lance
E em esperar não fui falto,
Pois fui tão alto, tão alto,
Que, à caça, lhe dei alcance.


(São João da Cruz)